domingo, 13 de abril de 2008

Por que os outonos não nascem neste abril?

Hoje só choveu, mas devem ter mandando para aqui a chuva errada. Ela trouxe consigo uns trovões como só os que anunciam, entre agosto e setembro, os outonos que surpreendentemente brotam na parte de cima do mundo, diletos filhos de outubro, atores de uma estação que, ao menos por aqui, não nasce em tempo algum, nem ao menos em abril.

Dos outonos do mundo, só um foi meu, e fortemente anunciado, como só depois compreenderia tal razão, por violentas trovoadas, que me enchiam de pavor e banhavam a noite com os mais inimagináveis matizes cor de prata. A cada tormenta, os raios riscavam a casca grossa do céu de maneira tão abrupta que mais pareciam predestinados a rachá-lo de um canto a outro, a fim de que contemplássemos, através de uma enorme fenda, o lugar além da escuridão.

Depois de dois meses de susto e contemplação, os trovões cessaram. Saio de casa pelo inevitável bosque de sempre e, aos meus pés, ao som de uma orquestra de folhas em estalido, prenunciada pelos ruidosos trompetes que me tiraram o sono nas noites de agosto e setembro, vejo surgir o meu primeiro outono. Como se em resposta a uma mesma ordem suma e súbita, observo as árvores imensas, e outrora frondosas, completamente nuas; suas folhas, cada uma delas, todas deitadas no chão, descortinando, com sua ausência, a presença da outra face do mundo.

Aquele imenso tapete vermelho, que suspendia a todos nós a dois palmos acima da terra, era capaz de amainar a nossa presença miúda, ao devolver-nos nossas sombras, sempre aparadas, durante aquele trajeto, pelas copas das árvores, ao longo de três estações.

...

Mas volto à minha realidade: um abril cravado quase no meio do mundo... Às vezes me pego a pensar como seria ver o outono do alto da minha varanda. Do meu segundo andar, ando cercada de verde. Para onde eu olhe, vejo um pedaço de árvore atravessando as esferas de vidro. E quando começa a parede, não é o cimento que vejo, e sim o contínuo das árvores desenhadas no meu pensamento. Mas avanço a cabeça pela varanda e, sim, elas estão ali, tais quais as vislumbro na minha imaginação. Só não sei o que há por trás delas, que contornos surgiriam sob a presença descortinante de um outono. Imagino o gato sobre o telhado, os musgos nas paredes do sobrado do outro lado do quarteirão... que sei eu?...

No abril daqui, resta-me apenas um mundo velado (que invento ao meu modo em domingos solitários como este), sem a presença de um outono que o descortine e me revele, com tapete vermelho e som de orquestra, as formas sinuosas de uma outra possibilidade.

...

Os trompetes continuam ruidosos. Anunciam algo vindouro ou apenas se equivocaram de estação?

5 comentários:

Anônimo disse...

Há um quê de trovão neste texto, uma reverberação hiperbólica capaz de impressionar ou de espantar com sua dramaticidade. Entre lampejos de belas imagens, soa às vezes desmedido; reproduz, por assim dizer, o excesso de seus trovões; surge, às vezes, fora de lugar em pleno mês de abril, e a beleza de suas delicadas metáforas é então ameaçada por uma ênfase a mais, impondo contornos demasiado fortes a imagens cuja força está precisamente na liricidade e na leveza.

Me disse...

Exagerei, né? ... e olhe que tirei dois parágrafos pra lá de para lá... mas o drama tá no sangue, tu não sabe? e os domingos solitários têm poder de trovão até no sol de fevereiro.

Hoje, tristemente, aconteceu um outono inesperado aqui, sem direito a tapete vermelho nem a orquestra... cortaram todos os ramos da árvore que eu vejo tão logo abro a porta de casa. Sobrou o toco comprido e agreste da goiabeira. Era uma vez o meu bem-te-vi. Ontem ele estava virado brincando nos galhos. Só espero que não lhe tenha restado a sorte de uma gaiola... :(

Wagner Marques disse...

ih, curti te blog!!!

muito maneiro!!!

Ina disse...

Minha linda exagerada que saudade de tu!!

Dá uma olhada http://silenciopalabras.blogspot.com/

e vê se vc gostou das mudanças no antigo.

besos

Unknown disse...

Oi, Theresa!

Que sensível. Olha, penso que os sentimentos são hiperbólicos mesmo, sobretudo a tristeza e a melancolia. Umas vezes eles exageram, outras nós os exageramos, mas o fio que faz com que sintamos o gelado deles abarca tudo isso de que você fala lindamente em seu texto.