sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Do açúcar para o sal - proposta para uma mudança

Querida Ina,

Hoje estava pensando na vida. Deitei a cabeça no travesseiro, sem o propósito de dormir, e parei pra pensar. Às vezes os dias passam tão danados que a gente deixa a vida de lado e pensa em um bando de coisas, menos nela.

Parei pra pensar na vida por causa de uma coisa que fiz anteontem. Quem me conhece sabe de longe que cozinhar nunca foi o meu forte, apesar de morar há tanto tempo sozinha e ter que cozinhar de vez em quando sempre. Anteontem o meu macarrão estava estupidamente ruim, muito pior do que o convencional, e só entendi o porquê disso um dia depois. Ontem, quando fui guardar o continente do condimento, descobri que o conteúdo era açúcar e não sal... mais um pequeno desleixo da minha parte em meio a uma maré cotidiana repleta de pequenos deles.

Pois hoje o meu desleixo doeu na alma. Acho que sou desleixada assim pra um monte de coisa - com os amigos amados e com outras criaturas -, mas ninguém morre por trocar sal por açúcar e a vida vai seguindo o curso, embora desordenada, tosca, mal-enquadrada, como fazem aquelas crianças em fase de aprendizado ao encaixar a toda força o triângulo dentro do quadrado. A diferença é que elas logo aprendem...

Acho que troquei o sal pelo açúcar em muita coisa na minha vida. Centenas de mancadas tão bobas mas que, negligenciadas, com o passar do tempo viram males sem remédio. Não é de outra forma que nascem os desafetos e até os inimigos, acredite.

Outro dia, há muitos anos, bem uns dez, um professor meu me disse para que eu me desse 100% em tudo o que eu fizesse, em cada ação praticada, por mais boba ou corriqueira que ela fosse. “Quando estiver lavando pratos, Theresa, esqueça o mundo, e se concentre nos pratos”. Mas acho que só me concentro 100% justamente lavando os pratos. Adoro lavar pratos, não sei se influenciada por essa observação dele ou porque gosto mesmo, ou pelas duas coisas.

Durante esses minutos de pensar na vida, comecei a confabular a respeito de meios de trazer essa reflexão pra o meu cotidiano. Decidi voltar pro yoga, assim eu teria duas horas semanais inteirinhas pra me concentrar no ato de concentrar-se. Acho que buscar a concentração absoluta me ajudará a me concentrar nas outras coisas. E me concentrando mais nas coisas que eu faça certamente farei coisas menos toscas.

Decidi também comprar um livro de receitas e aprender de fato a cozinhar. Acho que já é hora. Tem gente que tem talento nato; pra maioria, é esforço, como tudo nessa vida. Esse negócio de que falta mão é desculpa de preguiçoso. Não caio mais na minha... Já até pesquisei uns títulos aqui. Vou começar pela culinária vegetariana. Amanhã passo na livraria e sigo direto pro supermercado. Ah, se eu aprendo... Em vez de um peso das costas, tiro logo dois...

Pois é, querida Ina, nem todo açúcar alcança o doce, mas com o amargo também se aprende. Espero dessa vez ter aprendido a lição. O tempo dirá e os que cheguem para o almoço prontamente saberão.

Açúcar ao que é de açúcar. Sal ao que é de sal.

Um abraço enorme, mas não maior que a saudade,
T.

5 comentários:

Brenno disse...

Pois é, querida QM. O que o seu professor lhe disse você ja ouviu outras vezes, não é preciso voltar dez anos. Vale para tudo (se de fato tudo vale a pena, quando se vive mais porque se vive maior...). Mas do mesmo modo que você não quer limitar o comentário do seu professor aos pratos, não limite sua bela carta ao açúcar, ou ao sal, ou a ambos. Concentrar-se no concentrar pode ser um passo, mas, se for o único, é um passo que pisa sobre si mesmo e não sai do lugar.

Houve um outro sábio, também ele alguma vez professor, que, ao ouvir um dia uma canção que jamais conseguiu esquecer, teve a bondade de cantá-la para mim. A canção era mais ou menos assim:

"Urubú é vila alta,
mais idosa do sertão:
Padroeira minha vida,
Vim de lá, volto mais não...
Vim de lá, volto mais não?

Corro os dias nesses verdes,
Meu boi mocho, baetão:
buriti - água azulada,
carnaúba - sal do chão...

Remanso de rio largo,
viola da solidão:
quando vou pra dar batalha
convido meu coração."


"Quando vou pra dar batalha, convido meu coração", QM. Este é o verso chave. Viva a vida como quem lava pratos, querida QM; ponha seu coração na vida como você o põe no prato. Tudo o que dedicir fazer, faça-o como se de fato valesse a pena ser feito.

Fernanda disse...

Ei, Thê

Como trocamos mesmo o sal pelo açúcar na vida, ou o contrário... E o pior é que só nos apercebemos mais tarde...
O teu texto é claramente é o que ocorre e, como dizes, nem sempre paramos para pensar.
Parabéns por conseguir exprimir o teu sentimento, mas não só o teu, o de todos nós...
Beijos.

Ina disse...

T,
Fico super feliz por você querer parar de trocar açúcar por sal na cozinha...Comer é um dos grandes prazeres da vida. Temos que comer delícias sempre que possível para adoçar ainda mais a alma e a vida.
A saudade tb é muita!
Besos com muito amor

Cláudia Campelo disse...

T, você vai realmente aprender a cozinhar????? Agora aquele ovo sai!
VIVA!
Beijo.

Me disse...

Ah, ovo eu sempre soube fazer! Às vezes eu me esqueço do sal, mas, pelo menos, nunca botei açúcar. Agora vou aprender a fazer variações do ovo frito. Bora ver no que é que dar!
Beijo pra tu.