sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

O sismógrafo disfarçado

Nervosismo é uma cousa. Deve ter existido desde que o sentido do “argüir” surgiu no universo da cultura, quando a palavra “argüir” rompeu o som do silêncio e revelou algo a mais no mundo dos referentes, que, por sua vez, precisam mesmo ser nominados; afinal, só com nomes para que compartilhemos os grandes micos, essa espécie de conhecimento que atrai multidões e que se difunde de forma invejável...

Quem não conserva na memória uma pérola do ridículo fruto de uma argüição? Quem não embolou a voz, tropicou nos “esses” e buscou os buracos na parede fingindo tratar-se de olhos, com medo de encarar a expressão facial do argüidor? Quem não?! Quem disser que não, das duas, uma: ou orgulhoso, ou filho do patrão.

É, o nervosismo deve ter nascido mesmo com o verbo argüir... Tenho quase certeza disso... mas essa sensação bem que poderia ficar só na cabeça da gente. Mas não. Criatura malina, desce pra o corpo todo. Faz de um simples papel ofício um leque em pleno movimento. Embola a voz das criaturas que não tiveram nem a quase inescapável gagueira infantil. Caleidoscópio que deforma a gente... ou, pensando bem, será que somos assim? Será que “somos” verdadeiramente quando confrontados, quando submetidos ao limite, quando libertos da anestesia (da anti-aisthèsis...), quando acuados?... Será? Será que a nossa essência é o adrenalínico-tremulante?

Bom, se ser ou não ser, esta não é a questão. A questão é o verbo argüir na passiva... Nessas horas, nunca aceite a água oferecida pela alma caridosa que lhe note o desespero. Fatalmente, esse líquido precioso, que nestas horas abandona o dom de acalmar, deixará um rastro ao longo de toda trajetória antes de chegar à sua boca. Pois é, verdadeiramente não existem verdades categóricas. A água pode levar alguém às vias do desespero.

Como me saí? Bom, não encarei os buracos da parede, porque a minha miopia os apaga antes de que eu os visualize. Acho que também não tropiquei nos “esses”. Só embolei a voz e fiz do papel um leque poderoso, que tratei logo de largar sobre a mesa antes que ele abandonasse a forma de leque e saltasse das minhas mãos sob forma de aviãozinho de celulose (quero nem imaginar quem receberia este ingrato presente...).

Ainda bem que não existia um sismógrafo embaixo da cadeira... ele correria o risco de não estar vivo para a próxima seleção. Mas desconfio de que o copo de água faça as vezes de. E o faz com a eficácia das grandes tecnologias, expondo o resultado a todos em tempo real. Ainda por cima, é ecologicamente correto. Uaaau!

Ah, o copo d´água... ainda bem que não o aceitei.

3 comentários:

Alisson da Hora disse...

Nunca aceite nada que lhe ofereçam, já dizia a minha avó. Mesmo de pessoas conhecidas. Mas corro o risco de, como diz o Telles, tergiversar. Mas,creio que você não tergiversou. Mais do que "argüir" representa o supra-sumo do nervosismo.

Brenno disse...

Se não fossem teclas, diria que um sismógrafo, na delicada ponta do grafite ou minúscula esfera da caneta, registrou, com sensibilidade estética surpreendente mesmo nos mais avançados instrumentos, um tremor que não era nervosismo, um abalo, mais sutil, mais profundo, que (na falta de outro significante) chamarei de arte.

Um dia, ainda hei de escrever assim.

Me disse...

ooowww
=~~~~
=*8