sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Perguntas sem resposta.

Em tempos de bienal, me veio a lembrança da FIL e de um hábito que não sei por que cargas d´água virou símbolo de cool lá em Guadalajara. Dias antes do início da feira, minha professora Alicia me disse que surrupiar um livro da FIL era um marca de status e que todo mundo, se não tentava, ao menos imaginava consigo uma alternativa para obter tamanho logro. Meus companheiros de sala, de fato, bolavam dezenas de estratégias de como fazer para ter na estante um livro surrupiado da FIL (eu pensava comigo, como se guardasse o mais valioso segredo, que a estratégia mais fácil seria inventar uma bela história, comprar um livro, rasgar a nota, e ostentar para todos o objeto no dia seguinte; afinal, o selo de procedência é a mera palavra do meliante).

Passei várias horas no espaço da FIL e, logo de chegada, me deparei com um stand que destoava dos demais pelos títulos que trazia. Fiquei uma boa meia hora conferindo o nome dos livros e muitos deles se repetiam, mudando apenas a referência do autor. Agarrei um deles e, por um instante, gostaria de que ele fosse o meu objeto de desejo; afinal, ele resumia o conteúdo de todo o stand e era mais barato e portátil do que a almejada estante de hispanoamericana que eu gostaria de ter levado para casa (saí da FIL apenas com dois livros promocionais com histórias de animais marinhos exóticos, dezenas de folhetos e um bibelô que até hoje não sei em que estante acomodar)...

Psicologia del cambio – Poderosas lecciones espirituales para la transformación personal. “woow!”, pensei! O baú das respostas! Folhei o livro, repleto de perguntas das mais absurdas que, à falta de respostas, apenas davam aos desesperados leitores variadas idéias para o incremento de suas crises pessoais. Recorrentemente, falava a respeito de um yo personal cuja sintonia era a chave de tudo, mas não revelava, contudo, o segredo. Folheei outros exemplares à cata da resposta (afinal, toda saga traz ao final o seu desfecho) em vão; deixei o espaço chateada por ter perdido o meu tempo, e aliviada por não ter despendido um mísero peso sequer com nenhum daqueles títulos.

Rodopiei por outros stands da FIL por mais um par de horas, lanchei, conversei amenidades sentada nos degraus alcatifados cingidos de azul... Chegado o tempo de ir embora, sento no banco do carona e, ao puxar o cinto, sinto a minha mão ocupada com a presença de um objeto de que até então não me dera a mais mínima conta e que, logo, todos passariam a venerar como se fora um valioso troféu (confesso: até hoje, os meus olhos só enxergam nele um bando de folhas ordinárias...).

É, o livro das perguntas sem resposta driblara la policía reforçada e alerta para encarar gestos como esse com um rigor bem-humorado ao longo das semanas da feira literária. Dizem que dezenas de pessoas são, digamos, alertadas diariamente pela segurança (oye, amigo, creo que se te ha olvidado pagar!) e poucos, de fato, saem incólumes e com o objeto do desejo gratuito nos “braços”. Eu fiquei enraivecida comigo mesma por não ter realizado este gesto impensado com um livro que ao menos merecesse o transtorno de um inquérito (acredito que até as atitudes inconscientes exigem um mínimo de bom senso). Ah, um dos tomos da obra completa de Borges, que faziam da estante de hispanoamericana para mim uma quimera ainda mais cara...

(...)

Na segunda-feira seguinte, contei pra Alicia o meu feito. “Tere, te robaste un libro de la FIL! No me lo creo!!!” expliquei que foi sem querer e ela demonstrou um êxtase como se eu tivesse realizado uma grande proeza. Tratou, claro, de espalhar a façanha para os demais. Logo, sem que pretendesse, virei a nova descolada do pedaço. Os meus colegas, criadores das mais brilhantes estratégias, me perguntaram, entusiasmados, qual era o segredo. A minha resposta era uma não-resposta, uma espécie de yo personal cuja sintonia, se revelada ou pretendida, faria perder o encanto da ação; a tornaria, por assim dizer, inatingível. Sem maldade, lhes expliquei: o segredo é fazer o gesto sem querer, ser espontaneamente inconsciente do ato. (Existia, claro, uma segunda possibilidade, mas esta eu guardei para mim. Revelá-la seria pôr em xeque a proeza de alguns astutos e de outros distraídos como eu.)

Foi nesta mesma segunda que descobri o peso do valor simbólico que é capaz de transformar um emaranhado de páginas numa estatueta de valoração sem medida: nem Alicia nem os colegas conheciam concretamente alguém que tivesse roubado um livro da FIL antes de mim... Fiquei pasma, boquiaberta, e com um grande remorso por ter surrupiado sem querer aquele livro; por ter, possivelmente, realizado o ato inaugural daquele "hábito" sob os auspícios de uma obra tão incrivelmente ordinária...

É, pelo jeito, os honestos definitivamente se dão mal... Ah, se pelo menos fosse El Aleph, um bibelô tão mais fácil de acomodar na estante... até hoje me pergunto por que não.

24 comentários:

Anônimo disse...

Cada doido com a sua mania... O que seria cool por estas tristes bandas recifenses, por favor escreva algo sobre...

Me disse...

Humm, sei lá. Aqui parece que todo cool já nasce com um brega a que se opõe, e que também é cool pra um monte de gente.

Pra uns, cool é morar em boa viagem; pra outros, nem pensar: só se é cool morando em casa forte. Tem gente que diz que é cool comer sabe-se lá o que no mercado da boa vista no meio do sábado; outros, no da madalena no sábado bem cedinho; pra outros, ainda, na frente da Restauração no começo da madrugada. Pra uns, cool é tirar foto com a turma com as pernas semi-flexionadas e com as mãos apoiadas no joelho. Pra outros, cool é tirar foto da própria imagem refletida no espelho. Pra outros, ainda, cool é não se deixar fotografar e fazer fotos bem elaboradas de minorias e paisagens. Tem gente que acha cool cabelo felino; otros, cabelo chapeado; outros, ainda, cabelo nenhum. Tem gente que acha cool se vestir de preto, outros, de rosa, outros, de estampado. No festival do coquetel, cool era ser diferente, e cada um que ostentasse um visual mais alarmante, da cor do cabelo às unhas do pé; acabava que todo mundo se igualava e cool, de acordo com esse conceito, eram os poucos de cabelo penteado e camisa de malha sem estampa ou de botão e com um par de brincos igualmente distribuídos em cada uma das orelhas; sem brincos, então, woow, chocante!!

Recife é cheio de modismo, como em todo canto. É cool demais, mas consensual consesual mesmo, não sei se tem, não. Fica a pergunta p´aqueles que vêem o Recife do lado de fora. Deve ter um monte de atitudes descoladas sem que a gente perceba. Talvez os forasteiros notem o que eu desconfio tratar-se do cool consensual: talvez eles se dêem conta de que recifense não tolera estranhos falando mal do Recife, muito menos tirando onda de outro recifense, ainda que ele seja o maior brega sob o ponto de vista cool que cada um de nós, bem lá no fundo, assume. Não sei nem bem se isso é cool. Cool é tudo aquilo que cai no gosto e que um dia sai de moda. Isso deve ter um outro nome; mas qual?

Anônimo disse...

Em Comala seria cool "dar o ganho mesmo sem querer" no Jogo de Amarelinhas do Cortazar? ou no Túnel do Sabato? Aleph e seus labirintos torna tudo um jogo de espelhos. Não te vi pela Bienal. Mas juro que procurei-a.

Natalia disse...

Ser cool no Recife � f�cil. N�o requer a ast�cia de um furto de livros, nem o dom�nio de belas palavras como faz muito bem Theresa.

Ser cool no Recife � usar �culos branco e dizer que n�o segue moda, � comprar um all star de cada cor para combinar com cada roupa e dizer q pegou a primeira pe�a q encontrou no guarda-roupa...

Anônimo disse...

Sempre espero o sutil jogo da continuidade...

Me disse...

Stands cada dia menores e mais abarrotados, corredores cada dia mais estreitos e gente como nunca: a arquitetura da bienal não permite encontros, só encontrões. Será que é pra combinar com a maior avenida em linha reta do mundo, ou com o maior shopping center da américa latina? Se for, bingo!

Anônimo disse...

AFF.
Que horror.

Anônimo disse...

mesmo sem poesia logisticamente a grande linha reta leva vantagem...

Anônimo disse...

Captou? A deixa foi dada. Qualquer iniciativa,entendo, que deverá agora partir dos habitantes de Comala.

Me disse...

Mas, tinha um sinal no meio do caminho; no meio do caminho, tinha um sinal. A logística não contava com isso; Euclides foi pro beleléu. E, quem pára pra observar, em respeito a outro tipo de lei, fica absorto entre duas alternativas: correr ou morrer.

Car xan car
Ca xão gá

Bom, de qualquer forma, continuamos sem poesia.

Anônimo disse...

Não era Dublin. Mas Dedalus esperava-a ns parada da via? ou seria apenas um duto(sentido sub/cid)da imensa linha reta? Em Comala conhece-se os escritos não a pessoa.Se fosse Gabriela Mistral talvez ela pudesse comparecer entre 11 e 11.30 com um livro nas mãos? Qual dia seria propício perguntaram ao Oráculo de Delfos? Então Car Xan Car(com a condição literária? Qual livro recomenda?) ou a outra alternativa logistíca que não é a Via Ápia mas é uma via?

Anônimo disse...

Não consegui localizar Shan-Gri-lá e nem a Car- Xan- Car. Olhos ansiosos perscrutavam pela janela do busão. Ô Comala difícil.

Anônimo disse...

Nada de Novo no Front?

Alisson da Hora disse...

Bem, acho que todo mundo me deu uma resposta convincente... e, graças a Deus, não sou cool... Nossa, será que dizendo isso eu também estou ficando cool??????

Me disse...

Huuummm... existe um mundo bem pouco modesto, onde vez por outra a gente se encontra, em que é pra lá de cool dizer que não se é cool. =P

Bom, cool ou não cool, tu é gente boa pra caramba e é isso o que conta!
Beijos, nego!

Ah, a propósito, a menor distância entre dois pontos, em dia de rush, e em terras de cá, não é a reta, e sim o zigue-zague.

Anônimo disse...

Apesar da sinuosidade, volteios, curvilíneos e desencontros do zigue-zague há mais "racionalidade" na linha reta. Reitero.

Me disse...

A discussão descambou pra o que é ou não cool, mas ninguém teve a coragem de confessar os pequenos delitos. Quem nunca surrupiou nada na vida, que atire todas as notas ficais dos chicletes consumidos e procedentes das Lojas Americanas.

Anônimo disse...

ou das uvas consumidas nas gôndolas do Bompreço?

A garrafa com a mensagem foi lançada ao mar...

Anônimo disse...

L.A (que não é Los Angeles). Mas local dos saudosos delitos(que nunca cometi) pode substituir uma grande e improvável linha reta?

Me disse...

O roubo mais tosco de que tenho lembrança: um amigo, cujo nome prefiro não dizer, surrupiou as moedas da bandeja do preto velho numa loja de umbanda. A mãe, ao saber da procedência das moedas, mandou que ele as devolvesse imediatamente, junto com outras mais e um pedido de desculpas ao administrador do moquifo. Com essas coisas, afinal, não se brinca...

Anônimo disse...

Mas né lasca? A danada viaja, volta com livro (mesmo sendo ruim) e ainda lamenta...huahuahua. Beijos!

Me disse...

:)
=**

Anônimo disse...

Desisto!

Me disse...

Logo agora que eu ando com tempo para decifrar enigmas você não me aparece!
:)