terça-feira, 28 de agosto de 2007

Brincando de Manoel de Barros (ou insights barreanos trazidos pelo vento)

Na curva do vento, eu monto uma rede.

O meu avô fazia da brisa remédio pra aperreio.

Maresia só é vento bom pra saudade.

O vento deu ré no cabelo Sinhá Ana.

Meu avô colhia vento pra fazer estrada pra avião.

O dedo é apito de menino, o vento é apito de janela, a fumaça é apito de trem. O apito do meu avô é o espaço entre os dentes que ele tem e os que tão faltando. O apito do meu avô é um apito inédito.

Nuvem é vento amostrado, preguiçoso e desenhista.

Redemoinho é um acontecimento: a terra tira o vento pra dançar no terreiro de Sinhá Ana e todo mundo rodopia com os olhos. Os olhos do meu avô ganharam o concurso de melhor dançarino. Meus olhos só tinham visão pros olhos de Alana, duas pedras de bronze riscando o céu... fiquei em último lugar.

Quando Alana foi embora, na plantação de brisa só brotava maresia.

Bugrinha adorava toró, mas achava medonho o vento da tempestade. "Pronto, Bugrinha, tem medo não, que amarrei o furacão no pé da mesa". Bugrinha parou de chorar e foi pra janela da frente espiar a chuva, bem longe da cozinha, pro caso do furacão se soltar...

16 comentários:

Anônimo disse...

Adoro ventos e tenho medo de ventos: é o absoluto de sua existência! Ser sem predicados atrai e causa medo.

Anônimo disse...

Os olhos do meu avô eram azuis. Azul metálico com cílios voltados para dentro. Semi-analfabeto? Sábio sertanejo. Via longe entre fumaça do pito de palha. Entre cafés e palavrões deitado na rede filosofava e sobrevivia. Montava burro e matava aves. Guimarães Rosa conheceu Augusto Matraga(Manuelão)Mas não conheceu o meu Augusto. Baixo com combréia na cintura. Saudades do meu avô.

Me disse...

O meu avô era João quiném o Rosa, mas sem o Guimarães. Meu avô era Silva como os avós de muita gente. Meu avô foi avô de muita gente, e continuou sendo mesmo depois de morrer. Não me lembro dos cílios do meu avô, só da careca lustrosa e da cama a que ficou condenado desde quando tenho lembrança do mundo até quando o meu avô o deixou para sempre - um curto intervalo de poucos meses. Meu avô desabrochou de morrer quando eu tinha três anos. Queria ter tido tempo pra ter saudades do meu avô.

Me disse...

Vento é bonito e triste (melancólico?): o invisível que se manifesta através do outro; que só existe através do outro. Furacão só é furacão onde existem coisas pra arrastar. Sem janela, vento não assobia. Vento é um ser mais que solitário. Daqueles solitários que teimam em chamar a atenção. Imagina o que não conhecemos por serem apenas solitários? Imagina a beleza perdida aos nossos olhos daqueles seres que não se manifestam, apenas contemplam, quietos, sem que se saibamos...

Anônimo disse...

Há comentários ainda mais belos que o post.

O Pessoa já disse alguma vez em um poema que desconheço:

"Às vezes penso que valeu a pena ter nascido/ Só para ouvir o passar do vento"


E um outro, que não o Pessoa (mas grisalho de nome como alguns avôs - era, pois, Gray), escreveu:

"Full many a flower is born to blush unseen/ And waste its sweetness in the desert air".

São muitos os seres que não se manifestam; que apenas contemplam, quietos, sem que saibamos...

Anônimo disse...

Há tempestades. Há furacões .Há Ventanias. Mas também há brisas. Brisas não se anunciam. No máximo desalinham os cabelos.Desalinhar? Seria tirar da linha? Mas um "cabelo fora do lugar" já é uma mudança. João Silva não tinha problemas desta natureza. Afinal sua careca era lustrosa. Mas João Quiném Rosa em paralelo aos 3 anos em comum "alinhou" ssudades do futuro.

Anônimo disse...

" Imagina o que não conhecemos por serem apenas solitários? Imagina a beleza perdida aos nossos olhos daqueles seres que não se manifestam, apenas contemplam, quietos, sem que se saibamos..."

Nonada. Não entendo de nada. Ou seria: Não é nada. Quando nada quer dizer tudo. Ou o tudo não é nada. Falhas tectônicas há embaixo da terra. E com um simples deslocamento há mudanças abruptas na superfície. E no entanto não são visíveis tais falhas. Com olhos postos no leste a espera do exército invasor alguém espera num forte em pleno deserto Tártaro.

Me disse...

Tudo no mundo tem explicação, mas o semidesvelar das coisas é que faz com que haja magia. A magia é a explicação pela metade, ou a completa ausência dela, ou a fascinação tamanha diante das coisas que a dispensa por completo, atônitos que estamos à frente de, ou envoltos a. Isso (essa impossibilidade, ou essa ausência) faz do inexplicável algo sem explicação plausível; algo, por assim dizer, mágico.

Imagina um mundo anunciado, previsível, explícito... As coisas não seriam mais que ordinárias... Mas o extraordinário é o que vale, é o que fica, é o que se transforma em lembrança, em poesia, em sorriso, em sonho, em desejo. O resto é enfado, passado, esquecimento, bocejo, lamento, dia a dia, desculpa, aporia, argumento.

"(...) Quisera eu comer chocolate com a mesma verdade com que comes (...)"

Me disse...

As brisas não se anunciam, apenas chegam. É assim com um monte de coisa nessa vida. De tão aparentemente comezinho, a gente é de sentir mais falta de brisa do que propriamente de notar a sua presença. É assim também com um monte de coisa. Dia de trinta graus sem calor, é a brisa espantando o mormaço, mas a gente lembra que ela existe quando o calor do dia de sol nos consome (dias de vento preguiçoso que não balança nem a franja da rede). Acho que foi inspirado nisso que o velho Manoel de Barros disse "tem mais presença em mim o que me falta". A falta realmente deixa uma presença inestimável: saudades de um presente ou, muito pior, saudades de um futuro que o passado não deu permissão pra acontecer.

Anônimo disse...

Pela porta entreaberta passa a réstia de sol. Entreaberta dependendo do olhar pode ser entrefechada? Entrou? Houve convite? Ou o desenrolar dos atos deram inicio a peça? O calor das horas dilatou os ímpetos? Refreeou emoções? Conteve tsunamis? O passado não deu permissão? Ou os tigres metafóricos não se aventuram fora de seu hábitat? Saudades de Itabira todos têm. Mesmo ela sendo apenas um retrato na parede. Ou teríamos que procurar os espelhos onde perdemos nossas faces? "Não sei de muita coisa. Mas desconfio um bocado" Nonada.

Anônimo disse...

? nada? Aguardando continuidade.

Anônimo disse...

Em Comala há ventos? É possível chegar em tal destino voando em balões inflados pela força iracunda ou benfazeja de velhas benzedeiras? Raminhos de arruda atrás da orelha espantam poldros que correm por campinhas de tal Shangrilá? Madame Lispector pararia para tomar uma xícara de chá ao cair da tarde contemplando as vastas e azuis campinas sudoeste? Dai-me os tigres diria uma elfa ouvindo estrelas...

Anônimo disse...

Textos tão bons não podem ficar neste marasmo. Exigimos que publiques mais.

Me disse...

Em Comala não há ventos. O ar é pouco até mesmo para os que o sorvem, e estes o fazem com desespero e sem réstia de esperança. Em Comala, há apenas o sol. Mas o sol está na paisagem sem que o vejamos, destruindo-a, consumindo-nos, escurecendo os flancos do livro iluminado. Se houvesse vento em Comala, não haveria o páramo, nem o pétreo. Comala é o não-refúgio: terra esturricada, "sin aire; ni el tantito que sea para hacer jugar a los remolinos", como quase em outra terra a ela vizinha. As almas não são medonhas, nem míticas, nem mágicas; são almas de penúria. Clarice certamente foi a Comala antes de partir da vida (ou seria para a vida? Qué sé yo?!). Desperto, agora, para algo jamais antes pensando: a curiosidade talvez nunca resoluta de saber por que meios e exatamente quando. Resta-me, também, a curiosidade ainda mais achegada de saber a derradeira hora da saída. Como agem os que saem de Comala? Agirão como eu? Sairão? Comala macula até mesmo os passantes mais desavisados. Sair de Comala é sair do inferno (mas a guerra chega ao fim para o sobrevivente?). No entanto, nós, leitores, ainda estamos vivos (será que algum dia morreremos?). E agora?

Anônimo disse...

Com o lá não há sol...

Me disse...

Em Comala, os murmullos fazem as vezes de vento, mas se limitam a imitar-lhe o som...