terça-feira, 11 de julho de 2006

Fabrico de sal em meio a correnteza...

Minha solidão e eu. Nossa solidão e cada um de nós isoladamente. Solidão é uma redoma dentro da gente que não tem quem toque (às vezes nem a gente, cegos que somos de nós e de nossa condição), que não tem presença que alivie. Solidão é aumentativo mesmo, não cabe em si de grande. Solidão é o instante entre o desolo e o consolo, via sinuosa cujo percurso pode durar a vida inteira a vibrar na faixa do desolo, com o consolo ao fundo, inaudível, inalcançável... algo como a linha do horizonte e o sol; o sol a cair no mar apenas ao alcance dos olhos. Quimera. Às vezes nem isso. Às vezes caminhamos do desolo ao desolo e já não há quimera com que contentarmos. Só enfado, enfado, enfado. Um fardo... Cabe a nós andar a favor do sol ou contra ele. Mas é um “cabe a nós” às vezes tão doloroso que nem parece que cabe a nós, e sim aos outros. E culpamos o mundo, os outros, a nossa condição, e sempre caberia uma culpa com que nos desculparmos. Sempre caberia um “se” para justificar a nossa inércia.

Se não tem jeito; se ela é a companheira, por que não consolar-nos? Há quem diga que solidão é bom, que faz bem; há quem pregue detestá-la; outros, que não a sentem. Mas solidão é para todos; a consciência dela é que é para poucos. Só para os corajosos, diria, por mais que se matem, por mais que se escusem de sentir uma vida inteira de amargura. Só para os corajosos, porque é preciso coragem pra suportar a dor ou para entregar-se a ela, ou para extirpá-la; é preciso coragem para sentir a retina a queimar-se com o sol do horizonte (é mais fácil cerrar as pálpebras!); para sentir a retina a queimar-se com sal, fabrico dos nossos olhos em meio a correnteza. Definitivamente, é preciso coragem.

Não sei se solidão é bom ou ruim, só sei que existe e que pode ser leve, porque conheço quem a tem por pluma. A minha ainda pesa, ainda é uma pequena pedra de sal que fixa meus olhos a este chão e me arruína a fé às vezes, me faz descrente do mundo e de mim. A conheci faz tempo, e ela ainda é desolo com o consolo ao fundo; ainda é minha ruína sem arranhões, meu freio brusco em meio a um vôo maior, minha cegueira dentro da vidência. O estado de solidão é permanente, e podemos, dentro dele, perecer ou florescer – o musgo no topo de um edifício, uma flor silvestre. Eu, ao que me parece, ainda pereço. E você, floresce?

9 comentários:

Anônimo disse...

;*

(isto não é um beijo, é um botão: uma flor prestes saltar da potência ao ato)

Teus textos que mais me agradam são os que partem do concreto ou anedótico e, sem deles jamais abrir mão, sugerem, simbólicos, o abstrato.

Acho que perdem um pouco da força e da plasticidade -- bem como do humor que tão bem pode acompanhar o relato anedótico -- quando, já nascendo abstratos, permanecem no plano da abstração.

As imagens abstratas ou conceituais -- aquelas que não têm um correlato concreto do qual surgem--, mesmo as mais belas, passam, por assim dizer, longe da experiência (que, por mais espiritual que seja, possui sempre uma face palpável). Tais imagens nos falam sempre um pouco menos. É mais ou menos o reverso do que dizia Mario Quintana: "quanto mais individual, mais universal, pois que mais humano".

Ou, em outras palavras: evitemos começar pelo geral e abstrato. Isso equivale a começar pelas conclusões, pelas teorias, pelos esquemas. Mas não podemos esquecer que os esquemas organizam dados mais particulares e concretos, as teorias os explicam, e as conclusões, bem, as conclusões são sempre pontos de chegada -- impensáveis sem um ponto de partida.

Ou ainda, para terminar com uma imagem: a árvore que tem raízes firmes na terra aponta para o céu. Mas uma árvore com raízes no céu é uma visão lamentável, e apenas ironicamente poderíamos dizer que ela aponta para o chão.

Anônimo disse...

Adorei teu texto, identifiquei-me 100% com ele. Publica um livro,vai!
Fá (de Fortaleza)

Me disse...

Oi, Fátima! Publicar um livro deve ser bom (se um dia um sair com o meu nome eu te conto se é bom ou não!), mas retornos como o teu é o que, literalmente, vale a pena. Acho que se um texto chega a um diálogo ele atinge o seu fim. Ter um texto que conversa com os outros é muito bom. Se um dia os meus textos couberem numa estante, espero que eles possam sempre ser isso, um diálogo. Acho que só quem dialoga pode dizer que escreveu um livro. O resto é tinta e papel, tinta e papel, tinta e papel, espécie de tique-taque de relógio que não marca as horas...

Anônimo disse...

Oi Thereza
Estou relendo "memorial de Aires" e, mergulhada naquela solidão do Conselheiro, pincei a expressão que ele usou, igual avc neste cometário. Ele só escrevia as memórias pro papel. Ledo engando. Uma vez lançadas, as palavras voam e não são mais nossas, nem do papel. Continue lançando belas palavras... O mundo precisa disso: idéias sensatas e lindas palavras. Além, claro, de muito amor. MAs isso é outra história.
Boa sorte na literatura. Bagagem vc já tem.

Me disse...

=)
Há pouco reli Memorial de Aires! Eu acho um livro fantástico. Se a gente observar a solidão do conselheiro, a gente pode perceber que é bem saudável. Deve ser uma espécie de solidão ideal que nem o Machado alcançou de fato. Uma solidão que se contenta com o entorno, enquanto a casa está vazia. Difícil, né?

Anônimo disse...

Existem pessoas que não se incomodam com a solidão. Já as pessoas duais, que gostam de compartilhar a vida, pra essas, a solidão é um peso, um fardo.
O Conselheiro era bem do primeiro grupo...Como ele mesmo escreveu, citando Shelley, "I can give not what men call love"!. Se ele não podia dar amor (nem sabia o que era, na verdade!),vai levando a vida insípida. Mas pra quem tem amor a dar e já provou o tempero bom do amor, conviver com a insipidez é muito difícil...
Boa sorte pra vc, uma alma sensível, com tanto amor pra dar...
BJK

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

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