sábado, 11 de fevereiro de 2006

Águas!

No México pré-sistema-sanitário, os dejetos humanos eram despejados nas calçadas diretamente das janelas das casas; no entanto, tal ato vinha antecedido da seguinte advertência (possivelmente para evitar grandes desafetos): “Águas!”. Passou-se o tempo, foi criado o sistema de esgoto, mas ficou a palavra mágica. Perigo à vista, sob qualquer matéria, grita-se “águas!”.

Cheguei à minha casa na tarde da última terça-feira e o porteiro me cumprimenta: “água!” Poderia ter sido “boa tarde”, afinal, passava das cinco, ou “oi”, ou simplesmente um resmungo simpático, ou um menear de cabeça, mas não, ele disse “água”... Meio que procurando uma resposta adequada àquela inusitada saudação, respondi “é!”. Pensava na água que havia faltado naquele fim de manhã, antes de eu sair de casa. Procurei estabelecer um pensamento lógico para aquele singelo cumprimento. Pensei que ele estivesse querendo dizer algo como “que droga que faltou água, né?” E daí o meu “é!” como resposta.

Passados dois segundos, o porteiro complementa: “a água da sua casa... você deixou a torneira aberta... pingou na casa do vizinho... a gente teve que chamar o chaveiro...”. Pus a mão na cabeça e pensei “pútis grila”. Subi às pressas, como se fosse evitar algo pior.

Cozinha, sala, quarto, banheiro... tudo tomado pelas águas daquela torneira aparentemente inofensiva. Agora, não há vezes em que olhe para ela e pense “monstro. Torneira, você é um monstro”.

Naquele dia, Marilene tinha vindo fazer faxina. Como de praxe, ainda que não tenha na pia prato sujo, fez questão de lavar uma a uma todas as panelas, talvez para mudar-lhe a condição à de espelho. Na hora de enxaguar, cadê a água? Ela havia ido em má hora.

“Bora, Mumu, tô atrasada. Deixa as panelas aí que quando eu chegar eu lavo". Fomos. Ainda no corredor, ela me disse: “Tezinha, acho que deixei a torneira aberta”. Voltamos. Rodei pra um lado, ela disse que achava que era para o outro e ficamos nesse impasse por alguns segundos. Chegamos a um consenso e saímos inocentemente.

O fim da história, já se sabe. A moral: displicência. Oito anos morando na mesma toca e não sei pra que lado se fecha a torneira da cozinha. Enxuguei a casa, lavei as panelas (todas), pagarei ao chaveiro próxima segunda (uns 30 paus – um roubo). Pelo menos o vizinho de baixo não reclamou de maiores estragos. Mas será porque não houve danos no teto ou porque ainda não nos topamos no elevador? Águas! Pelo sim, pelo não, melhor descer de escada.

2 comentários:

Anônimo disse...

Apesar do alerta contido em 'água!', apesar das águas, não pude cumprimentar teu texto com susto, tampouco com um espirituoso 'é!'. Veio-me, em vez disso, um sorriso. Sorriso bom, de quem acha graça, de quem gosta. Sorriso desenhado pelo texto, qual truque mágico. Coisa de fada, talvez... Benditas fadas, sempre a nos surpreender! Quando menos esperamos, transformam, com um só gesto, susto em sorriso, palavras em mágica, água em vinho.

Anônimo disse...

Arte em unir simples palavras e resultar em textos, crônicas, frases..simplismente maravilhosos! Isso é o que faz Therê =)
Gosto muito, muito de você..e mais ainda de ler o que escreves :)
Saudades! Beijo grande, Bilda.