sexta-feira, 9 de setembro de 2005

Chanel nº 5 versus vinil do Balão Mágico: uma herança genética...

(escrito num domingo destes)
Adoro chuva, mas quando estou feliz. Quando estou assim assim, “Bonjour, tristesse”, é como se me foram lágrimas a cair. Mas, tudo bem, não será, das vezes, a última, nem foi a primeira delas... ainda pior estando em Carpina, onde a solidão parece tomar para si a palavra vasto, alargando-se mais. Junta-se ao friozinho e pronto, já era. Da alma, o grito: “Bonjoooouuuur, tristeeeeeeeeeesse”.

Mas, volto às minhas atividades. Desde ontem, estou nessa de recolher o inútil. E como há inútil em mim, na minha casa e nesta onde agora me encontro e que também é minha. Aqui, estão os meus vinis do Balão Mágico e os meus livros de gramática portuguesa de antes da revisão ortográfica. Me despeço deles, observando a grafia e supondo, daqui a 50 anos, como estarão as coisas, e aqueles que virão a jogar os livros da gramática atual com a mesma melancolia, com a mesma dor fina, como se arrancassem uma unha em flama: doloroso, mas necessário.

Vi que guardar troços é hereditário. Minha mãe, que reclama de mim, tem uma porção. Sinto-me na obrigação de recolher os dela também. Já tentei algumas vezes, mas ela replica e recolhe, devolvendo-os aos lugares, como se fossem adornos de prateleira. Mas farei como ela faz comigo: jogar sem que veja. Quando me dou conta, é tarde. Ela fez isso com o tênis preto, de pano, da quarta série. Ele tinha um buraquinho no dedão. Eu o só usava para ir pra escola (ela o jogou quando de férias) e lavava com esmero toda sexta-feira, para usá-lo, a cada segunda, um pouco mais acinzentado e com o buraco mais largo. Alguém sabe por que os buracos dos sapatos geralmente ficam no dedão? Acho que deveriam reforçar esta parte. Pelo cinza, dava até pra pintar de preto, mas costurar o buraco me faria encolher os dedos, como se meu pé tivesse crescido...

O problema de entulhos da minha mãe é tão grave quanto o meu. Há anti-rugas para 45 anos, mas ela já quase alcança os 60, mas o comprou aos 40; mertiolate como validade do século passado; uma coleção “Mulher” (livros 5 x 5 com dicas ultra-passadas de conquista, moda e penteados – cabelos à Elis), e, o mais grave, um Chanel nº 5, a meio frasco, dado pela minha avó paterna quando ainda tinha lucidez... minha avó perdeu a ciência uns cinco anos antes da sua morte, e, o que é pior, já há 13 anos que ela faleceu...

Quando ela (minha mãe) menos esperar, tudo estará num saco de Bompreço, no meio da rua. Alguém, certamente, chegará antes do homem do lixo para recolher parte da tralha, para pôr em alguma estante e preservar por mais um tempo, até que chegue a melancólica necessidade de abortá-la de lá. Penso se alguém usará o meio frasco restante de Chanel nº 5 e me pergunto onde estarão os instantes em que o meio frasco que já não mais está foi usado... terão evaporado nas lembranças dela ou estarão tão vivos ao ponto de ela preservar aquele objeto?

Não, melhor deixá-lo lá, na farmácia do banheiro. Talvez lhe seja remédio para alguma dor. Afinal, existem unhas encravadas que podem ser remediadas com mertiolate. Melhor imperfeitas que deformadas. Ainda mais, existem aquelas que sequer voltam a nascer... melhor deixar o Chanel nº 5 a evaporar-se pouco a pouco nas lembranças dela. Mas o frasco está tão bem vedado que acho isso um tanto improvável...

Nossa, como é difícil abandonar os objetos. Para que me servem o álbum do Chaves (tudo bem, sou fã e fiquei estatalada quando, num supermercado em Guadalajara, vi, saindo pelas bordas de uma tv gigatesca e me tomando a retina, el Chavo, la Chilindrina...), os vinis do Balão Mágico, os estojos cor-de-rosa de todas as séries e os meus cheques de quando comecei a escrever, quando o Econômico ainda era banco? Nossa, nem isso, nem o Chanel nº 5 da minha mãe, nem a camisa do Scooby, nem a coleira de Princie (o pequinês que morreu em 2000 e com quem constantemente sonho), nem a fronha verde em que babava o primo João, nem a fronha da Mônica em que eu babava, nem a camisa assinada pelos amigos da 7ª série, como se me fossem rastro para um paradeiro que não mais sei... O que jogarei fora, então?

Ainda bem que blog não ocupa lugar no espaço de casa... seria uma tralha a mais...

13 comentários:

Anônimo disse...

"como se me fossem rastro para um paradeiro que não mais sei..."

E não é, justamente, isso? Muitas vezes, rastro que deixamos e não mais seguimos: perde, assim, sua qualidade de paradeiro. Outras, mais raras talvez, rastro que nos leva a outros lugares; que nos permite encontrar não apenas velhos objetos velhos, mas tudo aquilo que neles se esconde e que ninguém vê.

Não somos, também e sobretudo, isto? -- reunião de inúmeros rastros para um paradeiro, este, agora, hoje, sim, que não mais sabemos?

"Como se me fossem...", e são. E sim. Sim.

Anônimo disse...

THeresa
Adorei o tema e a forma com que vc usa as palavras, arte que admiro há tempos.
Sempre dou uma passada por aqui, escreva mais, viu??
Bjo
Fá (amiga do Cris,from Fortaleza)

Me disse...

Sim, e são, e sim... e é como se conduzissem a outros rastros, a paradeiro que ainda não sei: pegadas paralelas que um dia se intercalam. E são, e sim. E estas, espero, paradeiro de uma e outra. Não sombra, nem solo, nem perdimento... de uma e outra, ora colo, ora alento, ora, assim, palavras, ao vento, sussurradas. Bem ditas, benditas... "ai palavra, ai palavras, que estranha potência a vossa!" E sim, e são, e sim, e que sigam, assim, sãs, e sempre, e sempre, e sim... de repente: plin! Benvindo! E sim, e sim, me assomo... e somos...

Anônimo disse...

Amorezinha fiquei pensando em todas essas coisas que você teima em não querer “se livrar” e ri, e senti vontade de te dar um forte abraço. Acho tão importante esse momento de “isso vai ou isso fica?”...Quantas vezes mais teremos esses instantes? Acho que a vida toda! Lembrei de um amigo que todas imaginam super-independente, mas certo dia me falou de como dói o instante de separação, de quebra de laço. E lembrei do dia que vc me levou ao aeroporto...E fico feliz por essa ‘separação” ser apenas física. É tão bom estar perto de vc e das pessoas que amo. Mesmo quando esse perto não é físico é muito bom! Acho que esse momento faz parte de uma fase maravilhosa que vai começar qd você jogar fora esse (chatíssimo) álbum do Chaves!..brincadeira! Te amo! Jana

Me disse...

Ainda nessa de tentar arrumar as coisas, mas não vou deixar outro post sobre isso, só esse comentário... guarda-roupa na cama, ao tentar ordenar o que tem serventia pra mim; geladeira metade no lixo, ao recolher o que não presta...

Canção francesa tocando (e eu tentando enteder alguma coisa), pra me lembrar do que me devo lembrar, sem temer; e o resto, ponto final, sobejo, algo a se esquecer.

Brigada a todos pelos comentários. Vocês não sabem como é bom entrar aqui e ver as pegadas... mas, janinha, não concordo, o álbum do Chaves é um achado. Vou leiloá-lo, quando estiver mais sem grana ou quando a saudade apertar e eu quiser ir pra Bahia te dar um abraço.

Tem coisa em excesso aqui e muita coisa em falta. Depois de semanas, resolvi almoçar em casa. Almoçar algo que não fosse toddynho com bananas nem biscoito de chocolates. Nugets com macarrão (isso é uma refeição aqui em casa, para os mais desavisados). O macarrão, pra não perder o costume, grudado. Na hora de enxugar os nugets, cadê guardanapo? Me restavam duas opções: papel higiênico perfumado e filtro de café. Não preciso dizer por qual optei, ok?Curiosamente, não tem pó de café em casa, mas aí não dá pra extrair algo dos nugets, pra fazer café depois do almoço... que chato...

Bom, era isso, só pra falar da rotina de domingo. Mas nem me sinto só agora. É um bom começo de semana. Um beijo a vocês, se ainda visitarem este post!

Anônimo disse...

Feliz Páscoa, QM.

Quando?

Onde.

Alisson da Hora disse...

eis que, após a leitura, à viva voz(a tua, por sinal, no dia do meu aniversário), e agora, após um circunlóquio com os teus pensamentos digitados, finalmente comento, antes que você, tão mendiga de palavras quanto eu (não negue)me engula e me belisque com trezentos beliscões virtuais.
Jogar as tralhas é se livrar de um caos, outrora necessário, mas agora inútil e incômodo...
Entretanto há etapas.
Primeiramente passamos a etapa da nostalgia.
Percebemos cada coisa em seu devido lugar, com seu devido valor.Há momentos em que a nostalgia fala mais alto.Acaba ficando de fora das latas de lixo.
Caso contrário, chega até ao momento da reflexão.
Olhamos, as imagens vêem, nos fazem rir, ou chorar, ou rir e chorar ao mesmo tempo.
Dos nossos equívocos, das nossas tolices, dos nossos momentos em que somos nós mesmos.
Crianças ou não.
Por outro lado nem notamos certas coisas.Vão para o lixo sem possibilidade alguma de resgate.
É assim, o nosso subconsciente, o consciente e o inconsciente.
Posso até estar errado...
É que eu mesmo estou jogando um monte de coisa...

Anônimo disse...

Encantada!
Seu jeito de falar de coisas tão simples é surpreendente!
Tenho lido e relido seus posts...e lido e relido!
Mas hoje, creia, é a primeira vez que leio os comentários!

nossos rastros nos são!

Anônimo disse...

Somos catalogados, organizados, reconhecidos pelas nossas impressões digitais, nossa marca inconfundível e única.
Os rastros que permeiam em nossas vidas, que contém ou estão contidos nos objetos e palavras e sons, e gestos e sonhos e lembranças e saudades e mãos e pés e imagens e silêncios são as impressões digitais e por isso, únicas e inconfundíveis, de todas os nós essenciais que volitaram e volitam em nosso nós essencial.
Por isso algumas nos são impossíveis de serem lançadas ao vento e outras, vão-se, sem que sequer percebamos!
Se é através de algo que ainda te amas e te fazes feliz - mesmo que a felicidade já não esteja essencialmente onde a colocas- não se disponhas dele, ou correrás o risco de dispor-se de ti mesmo.
E para isso há que se estar pronto. ( se é isso verdadeiramente possível: estar-se pronto para dispor-se de si mesmo).

Parabéns pelo texto!
Encanta-me a pessoa que és! Fico feliz!

Me disse...

Serão, os anônimos, uma só pessoa? Respondo como se fossem diversas, até porque, ainda que pessoa, e não pessoas, somos pessoas dentro da pessoa que dizem sermos.

Me deixa feliz a marca, o rastro, mas o anonimato me deixa a não saber algo mais diante de tudo o que já sabia não saber: quem são?

Será que o(s) anônimo(s) me conhece tão bem ao ponto de saber tanto quanto eu que eu tenho curiosidade? Ou será que me conhece mais que eu para saber que não é só isso, é algo mais, ainda não nominado - em alemão, isso deve ter um nome! -? Ou talvez nunca me tenha visto a cara? Ou talvez me conheça pouco ao ponto de saber que não ligo pra conjugações? Ou talvez nunca me tenha ouvido a voz, para saber que tu com vc é como falo, sem nem ser paulista caipira, ó! ;) Ou talvez me conheça pouco ao ponto de não saber que o melhor do blog são os posts que não ponho, e sim estes, os que põem, os que aparecem de surpresa, como ovos de páscoa em pleno setembro, né, Brenno?

Me conhecem, não me conhecem, me conhecem?

Me conheço, não me conheço, me conheço?

Me sei feliz com os comentários, cada um deles, ainda os mudos, como sei que são alguns...

A você(s), anônimo(s), obrigada pelo rastro, pela composição, pelo ato de parar para depositar algo assim: semente!

Anônimo disse...

Há anônimos e anônimas.
Um e outra.
Eu sou outra.
O outro? Sabe bem vc!

Me disse...

Sim, bem sei do outro.
Também sei quem és; anônima, não mais, se é que um dia foste. Bem-vinda? Ah, isso sim! Não precisa nem assinar para que eu saiba quem...
Você tem a minha simpatia.
Grande abraço,

Anônimo disse...

abraço gigante!

Tenho estado - daqui e de lá- cada dia mais distante.
Hoje despeço-me, de vez!
Isso é tudo que posso, devo e quero fazer!
Felicidades! Muitas! Toda do mundo!
Faça feliz! Muito!

Adeus!