domingo, 22 de maio de 2005

O gris não merece o seu encanto...

Hoje várias sensações passaram por sobre mim. Senti-me capaz de alterar a ordem das coisas. De transformar universo em caos. Um deus às avessas.

Passo por sobre a grama verde e pareço matar o que ali existe. Mas não extingo para semear algo. Sou omissa. Arranco o verde sem deixar a semente da bela flor que faço crer que trago.

Quimera. Ilusão. Encantamento. Ela jamais será mais bela que a flor mais corriqueira do seu campo. Não trago flor alguma. Apenas uma semente estéril, algo que nunca será fecundado. Se muito vier, será uma cinza flor franzina (daquelas que não se erguem por não ter um caule forte), jamais aquela rosa vermelha do dia em que as chaves que traziam no bolso abriram pela primeira vez a férrea fenda de uma mesma porta; jamais a flor aveludada em que a mordida sem dor foi tão intensa que chegou a doer bem dentro d´alma. Alma, aquele lugar em que às vezes sentimentos são traídos por momentâneas sensações. Se muito vier, será uma cinza flor franzina como meus olhos, que espreitam este mundo e que hoje me mostram a dor de um campo arrasado por onde pisei. E não venha me dizer que cinza é uma cor forte. Não é. É morna, não queima. Apenas entorpece. É medíocre e covarde como eu. Tende entre o negro e o branco e não se estabelece em canto algum.

Me puseram algo de cinza na entrada do rosto. Aprendam a ler. Leiam, antes que arrase a bela flor do seu campo, levando a crer que a minha semente estéril pode criar algo mais belo. Não irá.

Me contentaria se olhassem para o campo e o vissem intocado, e cressem que a flor ou mesmo a grama que ali exista é a mais bela flor e a mais bela grama. Não reserve o melhor lugar, a parte mais úmida da terra, para a minha semente. A minha semente é estéril. Não se encante pelo estéril, não se encante pelo cinza...

Hoje me sinto tão arrasada quanto arrasado está o campo por onde pisei. Que as flores permaneçam intocadas. 10 dias à frente de 10 anos, que são? Espero que nada. Apenas uma nuvem cinza que passe logo, deixando ao campo verde a vista do céu azul.

4 comentários:

Natalia disse...

The,
Acho que às vezes você se culpa de mais...Vc semeia sim : amor e alegria por onde passa. Te amo!!!

Anônimo disse...

Você não mata nada. Ao contrário, você dá vida. Dá vida a sentimentos, e não importa que se tornem difusos depois, por irrealizáveis. Eles Nasceram.

Anônimo disse...

Em outro lugar, estas palavras: "'glauco' é a palavra".

Sinto ganas de transgredir, de desobedecer uma ordem enfática.

O cinza, sim, é uma cor forte.

O branco, palidez ou luz. Não estão, aqui, presentes dois opostos?

Também o negro, sórdido e profundamente puro...

O cinza, indeciso entre um e outro, mas, a um só tempo, um e outro. União de opostos?

Tenho a impressão de que os gregos não souberam ou não quiseram definir o que para eles era talvez objeto de inefável mistério e perene fascínio: o mar. Homero falará de suas águas cor de vinho; surgirá uma palavra - glauco - que não é verde nem azul; é verde e azul, azul e verde e também cinza, verde e cinza, azul e cinza, cinza e cinza, azul verde cinza azul...

Te puseram algo de indefinível na entrada do rosto: algo que não cabe em um nome, salvo se nesse nome couber tudo.

Após a transgressão, uma acusação séria: dizes não trazer em ti flor alguma. Faltavas, quando o escreveste, com a verdade? Talvez a desconhecias? Como explicar, de outro modo, a flor que me deste? Como explicar, ainda, que desta flor - deste ainda botão - outras flores surjam, e outras, inúmeras, num ímpeto obsessivo de primavera?

Como explicar o fato de que me dás, tu, Queen Mab, uma flor que não possuis?

Queen Mab, parteira das fadas, semeando sonhos. Haverá semente menos estéril?

Anônimo disse...

Todos nós somos um pouco "cinza" . Quem define o que somos é o nosso momento, somando a todos teremos uma vida.